Bolsonarismo e suas intenções!
Uma tragédia anunciada!

Uma tragédia anunciada!!
Em 1988 a promulgação da “Constituição cidadã” iniciou o que viria a ser o maior período de vigência de um regime democrático-liberal na história brasileira. Foram 28 anos de um sistema político-eleitoral com liberdades democráticas e respeito às maiorias constituídas nas urnas.
Quem ganhasse as eleições presidenciais, levava, além de toda a máquina pública, as Forças Armadas para administrar, embora não tenham sido responsabilizadas pelos crimes que cometeram na ditadura de 1964, essas instituições foram excluídas do jogo político pela constituinte de 1988.
Foram só 28 anos de “normalidade” democrática. Parece pouco? Parece e é!!
Entretanto, acabou se constituindo como o mais longo período de democracia liberal no Brasil.
Desde o golpe militar de 1889 que “proclamou a república”, nunca tivemos um regime político democrático e estável de quase três décadas que fosse também permeável à vitória eleitoral de blocos e partidos progressistas que, à frente do governo, executariam um projeto de bem-estar social.
Ao perder, por pequena margem, as eleições presidenciais de 2014 ( quarta consecutiva), foi desencadeado, com idas e vindas, um processo de desestabilização e derrubada do governo progressista de Dilma Rousseff.
Na prática, uma complexa articulação que envolveu os interesses do chamado “deep state” norte-americano, ou o velho imperialismo, se assim preferirem, o capital financeiro e outros setores da burguesia brasileira, a grande mídia corporativa, as Forças Armadas, a maioria do sistema de justiça, destaque para o Ministério Público, Polícia Federal, sob a batuta de Sergio Moro, os partidos de direita e centro-direita.
Foi um movimento de ruptura com o pacto de 1988.
Desistiram de tentar ganhar no voto, de esperar a próxima eleição.
Resolveram derrubar a presidente petista, antes que Lula pudesse se candidatar na eleição de 2018 e ganhar novamente o Planalto.
Por isso é que o putsch de 2016 tem de ser visto como um continuum, que só se completa em 2018 com a prisão e interdição do único candidato que poderia, ao vencer, desfazer o golpe de 2016 e retomar um programa democrático-popular.
Resta ocioso especular qual seria o “plano A” dos que protagonizaram o golpe, provavelmente projetavam a eleição de um neoliberal confiável, respeitado, afeito ao jogo democrático, como se o interregno entre 16 e 18, com o traidor Temer fazendo a “ponte”, fosse apenas mero contratempo, um remédio amargo, o preço a pagar para o retorno dos "tempos gloriosos", um tiro no pé com a perda de vários direitos trabalhistas e a desconstrução de políticas públicas voltadas aos mais necessitados.
Um verdadeiro desmonte do Estado brasileiro .
Bolsonaro não era o caminho ideal nas confabulações do andar de cima, mas, com Paulo Guedes como fiador dos compromissos do ex-militar, recém convertido às teses do “mercado”, por que não?
Bolsonaro não é louco no sentido literal da palavra.
Patologizar a análise política é um erro antigo, muita gente o cometeu com Mussolini e Hitler se, segue-se, em meados de 2021, nessa trilha ainda de que o presidente seria um sociopata ou um psicopata.
Bolsonaro não é um imbecil, idiota, nem incapaz, nada disso, pior do que patologizar o adversário é subestimar sua capacidade. Ninguém chega à Presidência da República, pelo voto popular, sendo ignorante ou inepto, existem fatores que convergiram para esse resultado desastroso.
Não existe nenhum traço de irracionalidade nas ações de Bolsonaro. Pelo contrário, trata-se de um extremista autoritário que entendeu e se adaptou ao cenário de crise capitalista e ascensão de líderes da extrema direita mundial.
Bolsonaro fez uma aliança tática com o neoliberalismo radical, mas, como todo líder fascista é pragmático, garantiu um mísero auxílio emergencial no inicio da pandemia e mais, continua fomentando uma política fiscal expansionista em 2021 e segue mediando suas pretensões eleitorais, face ao apetite privatizador/destruidor do Ministro Paulo Guedes.
Resumindo: trata-se de “governo atípico” fora dos padrões de uma “democracia liberal”.
É um governo neofascista, com base de massas, em aliança com os ultraliberais brasileiros, ou seja, o mercado financeiro.
Pragmático, com fome de poder, fará de tudo para não cair e nem perder as eleições de 2022.
Fechar o regime é o objetivo estratégico de Bolsonaro. Avança e recua em aproximações sucessivas.
Para termos uma ideia , em março de 2021, acenou com a decretação de um “estado de sítio” no Brasil, algo jamais visto em nosso latente regime democrático.
Não sabemos com precisão, mas há algo como 10 mil militares ocupando cargos no governo, nem na ditadura militar se viu tal situção.
Cerca de 100 militares ocupam posições chaves, como na cúpula das estatais e os principais Ministérios.
A tutela militar se soma à consolidação do apoio bolsonarista nas polícias militares e nas milícias brasileiras, além disso, a aliança orgânica com o fundamentalismo evangélico (os pastores mercadores da fé), ruralistas e todo tipo de classe média urbana reacionária, sobretudo homens brancos e ricos.
Bolsonaro, mesmo com 550 mil mortos sob sua responsabilidade, segue com suas insanidades, tem 25% de apoio de gente que se identifica com os atos e ações diabólicas deste genocida e pior, apoiando e colocando em xeque todas as instituições brasileiras.
Esse índice pode até oscilar para baixo , mas é um patamar sólido e constante.
Não adianta praguejar, urge entender o fenômeno regressivo para poder enfrentá-lo, aliás, mesmo que Lula derrote Bolsonaro em 2022 (se houver eleições em condições normais), o bolsonarismo seguirá forte e firme, por anos a fio
O núcleo duro do bolsonarismo é a disputa de valores. O que muitos chamam de “guerras culturais”.
Não se trata de estratégia original e não é recente.
Nos EUA, por exemplo, desde o fim dos anos 1970, assistimos à mobilização do pânico moral, por parte dos setores conservadores, em relação aos temas dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTQIA+.
Fundamental registrar o uso e abuso dessa categoria “super rigorosa”, a tal pauta de costumes, de colunistas da grande mídia, passando por articulistas progressistas até chegar em gente icônica da direita, é um tal de por no mesmo balaio uma série de temas desconectados entre si, tipo juntando temas sem importância com algo que realmente deveria ser debatido pela sociedade.
Liberdades democráticas, direitos civis, direitos sexuais e reprodutivos, liberdade de orientação e de gênero, laicidade do Estado, liberdade de crença, igualdade entre mulheres e homens, igualdade racial, proteção do meio-ambiente, pluralidade, cultura livre, garantia dos direitos humanos, liberdade de expressão, reunião e associação, cultura de paz , enfrentamento do racismo estrutural, do machismo e da discriminação aos LGBTQIA+
Sabe-se lá por qual razão, a grande mídia costuma rotular tudo isso como “pauta de costumes”, enquanto, na verdade, trata-se de uma agenda ampla de direitos.
Soa como algo dos anos 1930.
Coisa de “delegacia de costumes”, o departamento encarregado de reprimir os trabalhadores, de prender a turma da vadiagem: pretos, pobres, travestis, sambistas, artistas, etc .
Por que tanta gente preparada usa esse termo até hoje?
Não tenho a menor ideia, mas pode ser preguiça intelectual, afinal, qual a relação entre liberação de armas, política ambiental e direitos das mulheres? Por que tudo isso seria algo enquadrado em “pauta de costumes”?
Definitivamente , não são !!
Importa, portanto, reconstituir as disputas relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos e como a disseminação do pânico moral foi parte importante do fortalecimento do conservadorismo moral, do fundamentalismo religioso, e, por último do neofascismo bolsonarista, baseado na disseminação de mentiras.
Pelo menos, desde as eleições de 2010, há uma onda conservadora impulsionada, sobretudo, por setores fundamentalistas evangélicos e conservadores católicos, que se opõem aos direitos sexuais e reprodutivos.
Oito anos antes da vitória de Bolsonaro, o candidato do PSDB, José Serra, manipula e leva temas como aborto, religiosidade para o centro do debate eleitoral. Serra ataca Dilma nesse terreno “moral-religioso” e gira, naquela época, via e-mail, o núcleo das discussões – sai economia e política, entram os tais “valores”.
A pauta dos direitos LGBTQIA+, por exemplo, foi alçada ao centro das disputas político-eleitorais desde então e aí permaneceu.
Essa ascensão conservadora conseguiu bloquear, em 2014 e 2015, a aprovação, no Plano Nacional e nos Planos Estaduais e Municipais de Educação , de qualquer medida voltada a promover o respeito à igualdade de gênero e à diversidade sexual nas escolas.
Políticos, pastores, padres, bispos, deputados, vereadores, importaram o termo “ideologia de gênero”. Disseminaram a ideia de que discutir gênero na educação é equivalente à defesa da destruição das famílias, da dissolução das identidades das crianças e até mesmo do incentivo à pedofilia.
Expressão vaga, polissemântica, “ideologia de gênero”, funcionou como uma espécie de gatilho e senha para a mobilização reacionária.
Um espantalho galvanizando uma série de ideias e temores, produzidos no âmbito do conservadorismo religioso, essa movimentação ajudou a acionar pânicos morais relacionados principalmente à integridade das crianças e adolescentes e ao bem-estar das famílias.
“Ideologia de gênero” e direitos LGBTQIA+ foram temas centrais da campanha de Bolsonaro, eixos de manipulação da megaestrutura de distribuição de conteúdos falsos nas redes sociais.
Como sabemos, a máquina de propaganda bolsonarista distribuiu milhões de fake news, via whatsapp e outras redes sociais, afirmando que o candidato progressista, Fernando Haddad (PT), defendia distribuir kits gays nas escolas doutrinando as crianças.
Foram também espalhadas mensagens afirmando que o candidato Haddad havia disponibilizado mamadeiras nas creches de São Paulo que teriam um bico em forma de pênis ,o boato ficou conhecido como “mamadeira de piroca”.
Mentiras que manipularam e alçaram um verme à Presidência do Brasil.
A cruzada anti-gênero e anti-LGBTQIA+ , promovida pelo catolicismo conservador e, sobretudo, por pastores/parlamentares, os midiáticos líderes neopentecostais, encontraram no deputado militar uma voz potente que disputava as eleições presidenciais em 2018.
O pânico moral, peça importante na vitória de Bolsonaro, pode e deve ser enfrentado.
As mulheres e homens pobres, evangélicos e católicos não são essencialmente conservadores ou moralistas, a generalização é um erro crasso, pois existem progressistas em todos os segmentos de nossa sociedade.
Enfrentar Bolsonaro só é possível a partir do reconhecimento de que há lógica, método, projeto e ideologia nesse governo aparentemente desconjuntado e tosco.
Nunca regredimos tanto em tão pouco tempo. A virulência com que Bolsonaro ataca os direitos sociais e as políticas públicas, e, simultaneamente, opera uma agenda irracionalista, contra a cultura, educação, ciência, meio-ambiente e os direitos humanos, é algo inédito em nossa história.
O programa bolsonarista de desconstituição dos direitos do povo e de destruição do Estado brasileiro nos coloca nos anos 1920, um país onde não há nenhum direito trabalhista, mas também não tem vacina, investimento em ciência ou expansão das universidades públicas.
Os 550 mil mortos de agosto de 2021 são, ainda, o começo de uma tragédia muito maior, pois o projeto de Bolsonaro é a morte dos “fracos”, é a exaltação da força dos seus seguidores, normalmente gente iletrada e odiosa.
É obscurantista, negacionista, irracionalista, fascista em resumo.
Deter o bolsonarismo levará mais tempo do que derrotar o próprio presidente genocida. Mesmo com a tragédia social, econômica e sanitária em curso, se houver eleições com um mínimo de normalidade em 2022, o ex presidente Lula tem um amplo favoritismo, pois foi o melhor presidente que esse país já teve. Mesmo com todo o aparato de destruição de reputações, através da disseminação de mentiras pelas milícias digitais e gabinete do ódio, esses promovidos e articulados pela família de Bolsonaro, Lula segue sua jornada para reestabelecer a democracia no país e trazer tempos de paz ao nosso povo .
A travessia será dolorosa e longa, que 2021 seja um tempo de acúmulo de forças e não só de lamento e choro.
É chegada a hora de juntar forças para reconstruir um país devastado pela ignorância e pelo assassinato de gente que acreditou no projeto genocida do atual ocupante do planalto.
